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Maputo
Os que têm, pelo menos, três refeições por dia vão ter, certamente, um bom Natal. Mais um bom Natal. E os milhões, entre eles muitos e muitos lusófonos, que nem um prato de pirão têm?
Mais de 800 milhões de pessoas enfrentam a fome diariamente e, a cada minuto, 15 crianças e 15 adultos morrem de fome. Grande parte destes milhões são nossos irmãos na Lusofonia. Mais de uns do que de outros, é certo. Mas é Natal... Em todo o Mundo, 1,1 mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável; 2,5 mil milhões não têm saneamento básico; 30 mil morrem diariamente devido ao consumo de água imprópria. Esta é, igualmente, uma realidade da Lusofonia. Mas é Natal... A Sida já infectou mais de 60 milhões de pessoas e tirou a vida a um terço destas; e a malária mata 2,5 milhões de pessoas anualmente. Esta continua a ser uma outra vertente da Lusofonia... Mas é Natal... Por esse Mundo, 1,6 mil milhões de pessoas não têm acesso a electricidade e a maioria recorre à queima de combustíveis que provocam a poluição do ar e problemas respiratórios. Queiramos ou não, também aqui a Lusofonia dá o seu contributo. Segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU, cerca de 12 milhões de pessoas poderão morrer de fome em Angola, Botswana, Lesoto, Malaui, Moçambique, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabwe se não forem distribuídos um milhão de toneladas de cereais. Aqui figuram dois lusófonos. Continua a não fazer sentido pedir aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países pobres. Em vez de se preocupar com o povo que não pode tomar antibióticos (e não pode porque eles, quando existem, são para tomar depois de uma coisa que o povo não têm: refeições), o mundo Lusófono (a CPLP existe?) que pode (e deve) ajudar continua a pensar apenas, nesta altura, numa faustosa ceia de Natal. Angola, actualmente com cerca de 13,9 milhões de habitantes, terá, segundo as projecções do FNUAP, 53 milhões de pessoas em 2050, enquanto a Guiné-Bissau, hoje com 1,3 milhões, contará 3,3 milhões de habitantes dentro de 48 anos. Em relação a Moçambique, o país terá 38,8 milhões de habitantes em 2050, contra os actuais 19 milhões, e Cabo Verde contará 807 mil pessoas, quase o dobro das actuais 446 mil. Segundo aquelas projecções, em média, os países menos avançados do mundo triplicarão também a sua população até àquele ano, em contra-ciclo com os mais avançados, que terão menos 15 milhões de pessoas até 2050. Por isso, alerta o FNUAP, são necessárias medidas urgentes para combater a falta de saúde reprodutiva, ajudar as mulheres a evitarem uma gravidez não desejada e eliminar o analfabetismo e a discriminação com base no sexo. Em termos de mortalidade infantil, Moçambique é o terceiro país com maior índice (128 por 1.000), apenas atrás da Serra Leoa (146/1.000) e do Malaui (130/1.000). A Guiné-Bissau surge em quinto (121/1.000) e Angola em oitavo (118/1.000). Cabo Verde tem uma taxa de mortalidade infantil de 50 por cada mil nascimentos. Em relação à esperança de vida à nascença, Moçambique ocupa o segundo lugar no "ranking" negativo, com 37,3 anos para os homens e 38,6 para as mulheres. Guiné-Bissau e Angola situam-se entre os últimos 10 a 20, com uma esperança de vida, respectivamente, de 44 anos e 44,5 para os homens e 46,9 e 47,1 anos para as mulheres, abaixo da média dos países menos avançados (50,6 anos para os homens e 52,2 para as mulheres). Acima da média e já próximo dos valores dos países mais avançados (71,9/homens e 79,3/mulheres), Cabo Verde tem uma esperança de vida para o sexo masculino de 67 anos e 72,8 para o sexo feminino. Quanto à percentagem de número de partos assistidos por técnicos qualificados, em que a média dos países pobres ronda 34 por cento, Angola tem uma taxa de 23 por cento, atrás da Guiné-Bissau (35%), Moçambique (44%) e Cabo Verde (53%). Quanto à taxa de prevalência do vírus HIV/Sida, Moçambique é um dos países mais afectados do continente africano, com um índice de 6,13 por cento entre os homens e de 14,67% entre as mulheres, ainda longe de países como o Lesoto (17,4/homens e 38,08/mulheres) e do Botsuana (16,08/homens e 37,49/mulheres). Angola tem uma taxa de prevalência de 2,23 nos homens e de 5,74 nas mulheres e a Guiné-Bissau 1,06 nos primeiros e 2,98 nas segundas. Cabo Verde não surge referenciado neste item e Portugal tem 0,41 para os homens e 0,19 nas mulheres. Quanto ao rendimento "per capita", cuja base são dados de 2000, o de Cabo Verde ascende a 4.760 dólares (cerca do mesmo valor em euros), muito acima de Angola (1.180 dólares), Moçambique (800) e Guiné-Bissau (710). … mas é Natal. Orlando Castro
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No dia 21 de Agosto de 2009, a FRELIMO, partido no poder desde que Moçambique se tornou independente, considerou solenemente e com honras da maior divulgação pública que "a corrupção desapareceu" das instituições do Estado em Moçambique, como resultado da campanha que empreendeu contra o fenómeno.
Como em muitos países africanos, alguns dos quais lusófonos, a FRELIMO esquece-se que, neste momento, Estado e FRELIMO são – infelizmente para os moçambicanos – uma e a mesma coisa. Além disso, com afirmações deste género está a tentar passar um atestado de menoridade e de estupidez ao povo que, todos os dias, comprova que a corrupção nas instituições do Estado é pão nosso (deles) de todos os dias. O suborno aos funcionários públicos tem sido apontado por organizações nacionais e internacionais como um dos maiores flagelos do Estado moçambicano, entre muitos outros, entre quase todos os países africanos. O então porta-voz da FRELIMO, Edson Macuácuá, apontou "a transparência" no sector público como uma das conquistas dos últimos anos, quando falava aos jornalistas, à margem da IV sessão do Comité Central do partido, que decorreu na Matola, a cerca de 20 quilómetros de Maputo. "A corrupção desapareceu do sector público em Moçambique. Os cidadãos já não se sentem pressionados a tirar dinheiro para verem os seus problemas resolvidos na saúde e na educação", sublinhou Edson Macuácuá. Numa coisa, reconheço, Edson Macuácuá tem razão. Os moçambicanos “já não se sentem pressionados a tirar dinheiro para verem os seus problemas resolvidos”. E não são pressionados porque já entendem o suborno como algo tão natural como respirar e, além disso, nem dinheiro têm para o pão... O porta-voz do partido disse ainda que os últimos cinco anos de governo da FRELIMO imprimiram a descentralização e desconcentração das atribuições dos órgãos centrais do Estado para os órgãos locais, permitindo a apropriação pelas comunidades do processo de combate à pobreza. "A governação dos últimos anos assentou na ampla participação dos cidadãos. Essa metodologia gerou ganhos no combate à pobreza absoluta no país", afirmou Edson Macuácuá. Também é verdade. Os poucos que têm milhões continuam a ter mais milhões, os milhões que têm pouco continuam a ter cada vez menos. Não é, reconheça-se, um problema exclusivo de Moçambique. Registe-se, entretanto, que mesmo com a eventualidade de o país albergar três campos de treino para terroristas (nas províncias de Tete e Nampula), da Al-Qaida e da Al-Shabaab, como foi noticiada pelo jornal sul-africano Sunday Times, com base num relatório entregue pela Fundação NEFA ao Congresso norte-americano, a FRELIMO continua a ter bons amigos em todo o lado. Apesar de o director do Gabinete de Controlo de Bens Estrangeiros do Departamento do Tesouro norte-americano (OFAC) ter garantido que há “evidências suficientes” do envolvimento do empresário moçambicano Momade Bachir Sulemane no narcotráfico, empresário que é considerado o mecenas da FRELIMO, esta continua a ter bons amigos em todo o lado. Mas, apesar dessas amizades que se estendem do Partido Socialista de Portugal ao MPLA de Angola, parece que algo vai mal, muito mal, no país de Armando Guebuza. No passado dia 1 de Setembro, Moçambique voltou a viver um drama que já conhecera no dia 5 de Fevereiro de 2008. Na altura tratou-se de um violento protesto contra o aumento do custo dos “chapas”. Essenciais (por manifesta incapacidade de o Governo fornecer esse serviço) para o transporte dos trabalhadores que ganham pouco (fora os muitos que só ganham desespero) são também um barómetro da sociedade. Um drama motivado pelo aumento do preço do pão, da água e da electricidade e menos de um mês após o quarto aumento dos combustíveis deste ano. Os protestos contra o aumento do custo de vida são habituais, seguindo a lógica descendente. O Governo aumenta os combustíveis, os transportadores aumentam o preço dos bilhetes, os utentes (que já se consideram felizes quando têm algum trabalho) protestam nas ruas e a Polícia desmobiliza-os à força de bastonadas e de tiros. Sempre que há aumentos há protestos. Embora esta repetitiva situação não passe de um protesto popular contra o alto custo de vida, a tensão acumulada fez e continua a fazer temer algo mais grave, tantos são os exemplos da história recente de África. Enquanto isso, registe-se que os níveis de produtividade agrária em Moçambique “são baixos” e a “revolução verde”, aprovada há três anos, está por dar efeitos num sector que emprega dois terços da mão-de-obra moçambicana. Um relatório da Inspecção-Geral de Finanças e da empresa de consultoria Eurosis e que tem a data de Agosto, caracteriza o sector agrícola moçambicano, explicando que representa cerca de 20 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que a produção agrária depende maioritariamente do sector familiar, que ocupa mais de 97 por cento dos cinco milhões de hectares actualmente cultivados (quando há cerca de 36 milhões cultiváveis). O mesmo documento acrescenta que os níveis de produtividade agrária são baixos, dando exemplos: a rede comercial de produtos agrícolas é fraca (falta de estradas, armazenagem ou energia), a agricultura é principalmente de sequeiro (só dois por cento dos três milhões de hectares irrigáveis é utilizado), e “há falta de serviços básicos para garantir o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis”. O relatório cita o pouco desenvolvimento dos mercados, a pouca disponibilidade de instituições financeiras para investir no sector, o abuso do fogo, que provoca queimadas descontroladas, e a vulnerabilidade da produção, muito dependente das condições climatéricas. A tudo isto juntam-se os surtos de pragas e falta de meios para as prevenir e combater, e a falta de quadros, particularmente a nível dos distritos. Moçambique tem no entanto um grande potencial agro-ecológico, desde logo disponibilidade de força de trabalho e de terra arável mas também vastas áreas de pastagens: mais de 12 milhões de hectares com apenas 1,2 milhões de bovinos e 4,3 milhões de caprinos. O Governo de Moçambique aprovou a Estratégia da Revolução Verde em 2007, destinada a aumentar rapidamente a produtividade agrícola, baseada na diversificação e intensificação de culturas. Em 2008, para um horizonte de três anos, foi criado o Plano de Acção para a Produção de Alimentos, PAPA. Até agora a estratégia ainda não cumpriu os efeitos desejados. Em Moçambique apenas três por cento dos agricultores utiliza fertilizantes químicos (a grande parte dos fertilizantes é utilizada no tabaco), só dois por cento utiliza tractores e apenas 11 por cento se socorre da tracção animal. Orlando Castro |